Outra analogia à pedrinhas

Post original: 12 de abril de 2023  •  Escrito por Isabella Gresswell

Tradução por Júlia Livio Amaral • 14 de junho de 2023

Rochas de Brimham, Yorkshire, Inglaterra

Ok, aqui vai o melhor da história. Se os problemas anteriores eram pedrinhas, esse é uma rocha. Imagine-se no Crash Bandicoot descendo a colina à frente de uma enorme rocha rolante. Essa rocha é o foco do post de hoje. Vamos falar sobre a cultura de trabalho no hospital HSE.

Eu adiei isso por muito tempo. Há muito a dizer e tudo é muito desagradável. Honestamente, não tenho certeza de como organizar meus pensamentos em torno desse assunto, mas vou tentar.

Vamos começar com o primeiro dia do ano de Internato. A coisa mais importante que nos ensinam é como escrever suas anotações médicas. A anotação médica típica em uma ronda diária de enfermaria começa com data e hora, nome da equipe, blá, blá e termina com o plano.-- Aqui está a parte mais importante: para cada tomada de decisão, lembre-se de transferir a responsabilidade casualmente, mas claramente, para outra pessoa. Por exemplo, está começando um novo medicamento em um paciente? Certifique-se de executá-lo através da equipe relevante especializada e em seguida, escreva: “Inicie [medicamento e dose] conforme [equipe especializada]”.

Você pode argumentar que a equipe principal está sendo minuciosa e diligente ao consultar uma equipe especializada, mas na realidade, isso é feito quando a equipe primária sabe exatamente o que prescrever, ou qual exame agendar, ou qual teste realizar, mas eles estão apenas se protegendo solicitando uma consulta- em grande parte para que possam escrever no prontuário do paciente, “conforme qualquer pessoa, menos eu”, para que se houver um processo judicial, eles se resguardem. Isso é uma perda de tempo da equipe primária e da equipe especializada, porque claro, a equipe primária já sabe a resposta certa. Mas supostamente vale a pena por causa do enorme risco de litígio.

Também na primeira semana você escuta, “Não se preocupe, sempre haverá alguém para te ajudar quando precisar” Sim…na teoria. Mas na realidade, quando você está trabalhando à noite e o pronto-socorro está agitado e você, como o médico menos experiente do hospital, está sozinho cobrindo várias enfermarias, bom, você vai ter que aguentar firme! No hospital, você aprende fazendo - idealmente você terá “visto um” antes de “fazer um”, mas às vezes uma rápida lida no protocolo ou uma rápida explicação verbal pelo telefone terá que ser suficiente. Para um trabalho com enorme responsabilidade e grande risco, você esperaria um pouco mais de suporte!

Há ensino, mas na minha experiência, o ensino muitas vezes cobre o assunto do momento do consultor. Foi interessante, sim- as partes que pude entender, mas a maior parte passou pela minha cabeça e nada cobriu as apresentações comuns dos pacientes. Então o ensino não era exatamente prático. E era escasso, mas acho que podemos culpar o caos da pandemia por isso.

A outra forma de ensino era através da humilhação. O pequeno e novato estagiário pega o telefone para solicitar um diagnóstico ou uma consulta (conforme solicitado pelo consultor) e rapidamente percebe que não estava preparado para fazer aquela ligação. Para meus leitores que não são médicos - fazer ligações como estagiário era de longe o pior trabalho de todos, nunca parecíamos ter as informações certas em mãos ou, quando tínhamos, éramos ridículos por fazer tal solicitação! (Lembre-se, nós, os estagiários, não estamos fazendo a solicitação - nossos consultores, que possuem muito mais conhecimento e experiência que estão. Somos apenas os mensageiros). Basicamente, os consultores e registradores não gostam de receber ligações de estagiários porque eles raramente sabem o que estão falando (e é aceitável) - e eles realmente enviam lembretes para dizer que não falam com estagiários, mas nossas equipes nos pediam para fazer as ligações de qualquer maneira, e tínhamos apenas que aceitar as consequências - que foram brutais.

Se receber críticas de outros médicos por aparentemente nenhum motivo não fosse suficiente, os enfermeiros e balconistas de alas estão geralmente armados com suas línguas afiadas. O melhor conselho que te é dado no primeiro dia é ficar do lado bom das enfermeiras, e isso é muito importante! Porque quando você falha, é uma luta constante. Esse desentendimento entre enfermeiros e médicos é definitivamente resultado de uma cultura tóxica hospitalar. Tudo é baseado em boatos, rumores e estereótipos. É incrivelmente desagradável, inútil e ineficiente.

Então se médicos estão desrespeitando médicos e enfermeiros estão desrespeitando médicos e médicos estão desrespeitando enfermeiros - isso deixa os pacientes - bem, devido à falta de leitos e longas listas de espera, os pacientes também estão desrespeitando os profissionais de saúde.

A medicina há muito já deixou de ser a carreira glorificada e respeitada que já foi. Claro que você terá colegas que serão seus amigos para vida, mas achei o ambiente geral do hospital bastante pesado, crítico e competitivo.

Posso te dizer mais: consultores que se sentem muito superiores para falar com os estagiários de suas próprias equipes, SHO’s que se sentem tão superiores aos estagiários, que se recusam a ajudar, mesmo quando o estagiário está atolado de coisas, funcionários da enfermaria que não fazem questão de ajudar porque eles não te devem um favor, é interminável… e acho que você captou a cena.

Acredito que a cultura negativa te contagia como fuligem de chaminé. Está em todo lugar e é difícil evitar, e acho que nunca vou esquecer a vez em que falei com um tom arrogante com uma enfermeira - o motivo não importa. Não falei muito, mas nunca deveria ter usado aquele tom para falar com ninguém. Ser rude com as pessoas nunca é justificado e nunca deve ser desculpado. Mas infelizmente, tornou-se comum no hospital.

Por fim, só queria dizer que trabalhei para pessoas que eu não me importava, mas também trabalhei com algumas das pessoas mais compreensivas, atenciosas e solidárias que eu já conheci. Não é de tudo ruim, só não é bom o suficiente.



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